Diana Gonçalves  

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Persona (1966) de Ingmar Bergman

“A Mão de Persona” 
2024

O cinema, tem a capacidade única de a partir da realidade, ou não,  criar mundos escapatórios que se espalham por entre o tempo. As imagens ampliadas até a um tamanho impossível, convidam-nos a entrar nelas. Vê-se cada plano próximo como nunca poderíamos ver com os nossos olhos. A esta vontade de entrar e de nos misturarmos com a realidade isolada no escuro, que só parece ser mostarda a nós, aliasse à ânsia do toque.

O toque, é um gesto que está disperso por todo o filme. Caracteriza esta violência que existe entre o espelho ou vidro do cinema que nunca nos deixa alcançar o que se vê. Naquela realidade vemos e ouvimos tudo, mas nunca tocamos. Esta violência está na mão que é crucificada. O toque que já não sente. Este desfasamento entre o espectador e o espetáculo, remetendo-nos para um filme que se desencontra com o cinema narrativo clássico e com a sua ambição de comer o espectador capturando-o na sua história. No entanto, este plano mostra muito mais do que o distanciamento do filme de Bergman a uma narrativa linear com continuidade.

Este plano remete para uma dimensão do cinema de se explorar a si próprio, assim como, alertar o expectador para a tomada de consciência que o seu gesto vai sempre ser morto para o filme que vê, nunca podendo fazer parte dele. No entanto, conecta diretamente o espectador, à arte cinematográfica e à sensação. É um plano que conta mais que uma história, ele é capaz de 


penetrar na mente e repetir-se em loop. Aparecendo novamente dentro do próprio filme no rematar da história. Este martelo incessante pela dor, questiona a própria sensação de sentir algo. Será que quando sentimos é verdadeiramente uma sensação? Pode apenas ser uma produção da mente, e mesmo que o seja não será isso também uma forma de se produzir uma sensação física. Ao provocar a sensação física pela mente não estará o nosso toque a fazer parte do filme, mesmo que conscientemente afastado da sua realidade? Este plano, atinge assim, o patamar do sublime. 

Edmund Burke, descreve o sublime como o resultado final de algo que é capaz de produzir uma emoção que a mente é capaz de sentir.  A dor e o sofrimento que a imagem e o som carregam até nós, transformam-se quase numa lentidão terrorífica que faz sentir na nossa pele aquilo que não aconteceu. O sublime, muitas vezes relacionado com a grandiosidade da natureza, aparece aqui como a grandiosidade do ser humano, traduzida literalmente (por se tratar de um plano hiper próximo) no tato, ou seja, no sentir. Em apenas alguns segundos, dentro de uma sequência inicial, Bergman convida o espectador a vivenciar tudo aquilo que o filme lhe vai trazer: a noção de um cinema disruptivo, a premissa de uma história que coloca as suas personagens, que quase se misturam numa espécie de simbiose emocional, a ideia do sagrado (consagrada no ideal cristão) e a reflexão sobre a morte. Sendo este plano o culminar épico de todas essas premissas, fascinando-nos com uma rapidez que se expande no tempo.

A morte, que aparece associada ao gesto, suscita toda uma nova temática. Apesar disso, a morte e o sofrimento, assim como, a própria dor, carregam uma tendência emocional capaz de ser sentida pelo ser humano de uma maneira muito mais intensa, provocando uma confusão na existência. Confusão esta, que ataca o espectador, mas também os próprios personagens. 

Esta cena composta por dois planos que se alternam ao som de uma batida sombria, complementa as duas narrativas anteriormente apresentadas. Na primeira um homem que parece fugir à morte, na segunda uma mão que segura um cordeiro que se eveia em sangue, e por isso, morto. Por fim um crucifico, uma libertação dos pecados. Existe aqui um ciclo de algo que não podemos escapar. Há no final uma conotação, diria, religiosa. Porque que dentro de uma sequência moribunda opta-se por terminar com uma imagem semelhante aquela que terá sido o fim de vida de Jesus Cristo, que morre pelos pecados e santificação dos outros. Há na morte uma procura pelo o perdão. Talvez um arrependimento que nos faça questionar as nossas atitudes e que mesmo não sendo uma procura religiosa, nos faz recorrer à fé. 


Talvez este plano se resuma não a uma demonstração da fé, mas a uma falta dela. Há no toque de Deus a morte. Deus só existe no leito da vida, no silêncio e na dor. Haverá de facto uma redenção dos pecados no castigo do membro que nos fez ser a espécie que somos hoje, o membro mãe, o membro do sentir? O questionamento da possibilidade de Deus põe em causa todo o poder da própria esfera da religião, que só consegue ascender numa realidade em que a dor e o sofrimento são constantes, e, por isso, há um apelo à fé. Assim, toda esta construção pode em consequência interpelar todo o método da composição religiosa. Que ao oprimir pelo terror os seus crentes, cria uma inexpressão da sua personalidade e vontades, temática que também vai sobressair na história do filme quando Alma revela uma experiência sexual fora do matrimónio e um aborto. Agarrado a estas temáticas vem uma certa vergonha, mas que ela de algum modo recusa em sentir quando conta a história a Elisabeth, precisamente por não se incluir dentro de um círculo socialmente opressor. 

Esta morte pela rendição dos pecados e a ideia de a salvação e do salvador, pode se ter traduzido na morte da humanidade, que se recolhe nos preconceitos. Mais uma vez o plano age como uma espécie de mote para o resto da história. As duas personagens, no mundo social são silenciadas e obedientes aos seus trabalhos. Quando não o são, passam a ser classificadas como doentes. Quando se mudam para a casa isolada e fora dos ideais coletivos, passa a existir quase uma relação homossexual onde tudo aquilo que seria punido, e é agora permitido. 

Sendo assim, a mão em Bergman, pode ser, não só, um questionamento em relação à existência de Deus, mas também, o que os ideias de sansão causam a uma comunidade que vive para a libertação dos pecados. Uma comunidade que acaba por se fechar sobre si mesma e que vive para o perdão na hora da morte. Por isso vive sem o toque, que morre juntamente com o pecado. 



Lobo e Cão, (2022) Claudia Varejão


“A linha banba da identidade”
 2024
Folha de sala Cineclube EA: Lobo e Cão, Claudia Varejão 
https://artes.porto.ucp.pt/pt-pt/cineclube-ea-lobo-e-cao

Lobo e Cão é um filme que nos desafia a sair da nossa própria ilha. Um filme que carrega uma carga social, preenchido de dicotomias em que tudo se confunde, e onde as trocas de papeis sociais são o ponto fulcral. É um filme que parte da destruição do binário. O próprio título sugere o balançar entre as categorias da espécie. Entre a força e a virilidade e o amável e carinhoso. Questiona, à partida, os grupos e divisões: e porque não viver entre os dois?; não será possível acartar no mesmo saco de identidade essa indefinição de apenas se ser?

Numa ilha no meio do Atlântico, num cenário que não poderia conservar melhor o “típico português”, Ana e Luís desafiam constantemente, apenas ao serem eles próprios, os limites da ilha. Esta ilha que, de uma forma literal, representa também os limites dos preconceitos sociais e o que é isto de se ser uma mulher ou um homem. Lidam com os códigos impostos pelas suas famílias e pela religião, questionando-se se verdadeiramente sabem o que é o mal ou o pecado. Dentro desta bolha, o mundo queer existe como o ponto de abrigo, é a fuga da repreensão, a liberdade que existe num meio tão fechado, pequeno.

Luís, um jovem que tanto usa calças como saias, representando o mundo do glitter, dentro da opressão, carrega em si um sentimento de exclusão e de imoralidade, apesar de escolher ser quem é. Abrindo-se assim a porta para um conflito interno que nos coloca contra nós próprios (o nosso meio recusa aquilo que somos, no entanto nós também somos parte desse meio e procuramos ser amados por ele). 

Ana, a personagem principal, vai ser o guia do filme. Esta tem como ponto de partida o tradicional, mas na descoberta interior, levada pela paixão, almeja o para além do mundo que conhece - atravessa o horizonte da ilha. É a personificação da introspeção, alguém que procura um amor e carinho, mas que, no seu seio familiar, se sente claustrofóbica. Encontra em Luís o mundo queer, que caracteriza o abraço e o afeto. Em Cleo, a sua amiga do Canadá, a modernidade libidinosa, o desejo. Vivendo tudo isto muito intimamente, a sua introspeção caracteriza o seu final. 

Este conflito entre o conservador e a liberdade, entre um passado fechado e a modernidade, é uma luta constante presente no filme, mas também na realidade desta zona. Claúdia Varejão tem uma câmara lindíssima que capta os rostos e estas vidas de uma forma quase mágica. Existe uma proximidade, uma paixão, que nos conduz por este espaço, por estas caras, que acarta um poder inexplicável, conectando-nos com as paixões e o interior indeciso bem decidido dos personagens. Há uma claustrofobia nos planos próximos das caras, as mesmas que o ambiente exterior convoca, contrastando com os planos do mar, da água, do vapor, onde os corpos ganham a liberdade de serem corpos, assim como as danças ou a própria música. 

Há uma transportação, uma transcendência, daqueles personagens em relação às imposições culturais. O próprio elemento do mar, que no início caracteriza o aprisionamento, evolui para o elemento da liberdade. É assim que, no limbo da adolescência, caracterizamos a nossa identidade entre o binário, entre o isto e aquilo e nos permitimos a ser nós.

Lagrimas de Petra Von Kant (1972) Rainer Fassbinder 


O olhar sobre o feminino no Novo Cinema Alemão 
2024
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O ensaio tem como ponto de partida uma análise sobre a posição da mulher na sociedade como o outro, refletindo através de Frued e Beauvoir qual a origem da desigualdade entre o homem e a mulher. Posteriormente, aborda a figura da mulher na arte e como esta sempre foi representada como o objeto que satisfaz o olhar masculino, elas são o corpo do sexo.
Dos nus pós-renascentistas a imagem da mulher como o outro objetificado prelonga-se pela história da arte e como consequência no cinema. A desconstrução desta ideia só viria a ser feita nos anos 60 à luz das novas teorias feministas. Com efeito, baseando-se nas teorias feministas, que se alastram às vanguardas cinematográficas, este ensaio escolhe o Novo Cinema Alemão como movimento que traz para o grande ecrã a imagem da mulher moderna ao mesmo tempo que questiona a sua vontade de modernidade.
Neste sentido, o ensaio foca a sua análise fílmica sobre as personagens femininas de Rainer Fassbinder (com a mulher pessoal) e Margarethe von Trota (com a mulher política).

Palavras-chave
Mulher; Patriarcado; Feminismo; Femme Fatal; Novo Cinema Alemão; Fassbinder; Trota



Douro, faina fluvial (1931) Manuel de Oliveira  


Recensão Critica do texto: De Walter Ruttmann a Leitão de Barros e Manuel de Oliveira: O pulsar de um cinema Urbano em forma de poesia sinfónica, de Jaime Neves (2020)
2023
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Resumo
Esta recensão critica dirige-se ao texto de Jaime Neves (2020), “De Waltter Ruttmann a Leitão de Barros e Manuel de Oliveira: o pulsar de um cinema urbano em forma de poema sinfónico”, publicado em Atas de IX Encontro Anual de AIM, pp 86-93, e editado por Marta Pinho Alves, Maria Rosário Lupi Bello e Iván Viççarmea Alvarez. 

O ensaio trata um género de filmes que surgem na década de 20 que se viria a denominar “Sinfonias Urbanas”, um cinema de vanguarda que almejava filmar as cidades, mas com uma construção visual mais experimental aproximando-se do abstrato apesar de se continuar a identificar-se com o real. Analiticamente, o autor do texto, percorre vários filmes deste género de várias partes do mundo, como “Nada além das horas” (Cavalti, 1926); “Chuva” (Ivens, 1929); “O homem da câmara de filmar” (Vertov, 1929); “Berlin, sinfonia de uma capital” (Ruttmann, 1927). Até chegar aos autores portugueses – Leitão de Barros e Manuel de Oliveira. Onde recorrendo aos exemplos anteriores identifica as influências e inovações do cinema português, nomeadamente, nos filmes “Lisboa, Cronica Anedótica” (Barros, 1930) e “Douro, Faina Fluvial” (Oliveira, 1931). 

Nesta recensão critica irei dirigir-me as varias partes do texto, a sua concessão de sinfonia urbana e porque da sua importância; aos vários exemplos apresentados pelo autor onde explicitarei o meu ponto de vista sobre os mesmos; aos exemplos nacionais; finalizando com a conclusão, onde pretendo para além de referenciar as conclusões de Jaime Neves as minhas tendo em conta toda a reflexão feita durante o trabalho sobre as obras e o texto.